Cada mulher tem uma experiência única de ser mulher. Como parte do #MarçoVermelho vamos escrever sobre a luta de cada integrante da Cative! para ter um espaço em um mundo inóspito para as mulheres
Este é um texto de desabafo sobre as minhas constantes percepções enquanto mulher negra inserida no mercado de trabalho e como tenho enxergado o nosso posicionamento perante o preconceito sofrido diariamente, mesmo que nas entrelinhas.
Nós, mulheres, sabemos e temos experiências diversas sobre como é estar no mercado de trabalho convencional e sabemos que os lugares destaque são preenchidos, em sua maioria, por homens, brancos e heterossexuais.
Todos os questionamentos levantados à respeito da relevância da nossa participação em questões sociais, políticas e empresariais são diários e os espaços ocupados são menores e sempre reprimidos.
Enquanto mulher negra, tive experiências diversas com o mercado de trabalho das que mais me encheram os olhos até as que me fizeram ter vontade de nunca mais ir à uma entrevista de emprego e dar os meus pulos para ter meus próprios projetos.
Quando uma mulher branca tenta se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes a sua capacidade intelectual é questionada e isso faz com que sua autoestima e vontade de dar continuidade a qualquer coisa naquele ambiente seja levada embora porque é desanimador se esforçar para não ser reconhecido e ter suas ideias banalizadas.
Mas quando uma mulher negra tenta se inserir no mercado de trabalho, sua aparência é questionada à primeira vista e uma série de estereótipos é colocada na mesa. Tudo é colocado em prova. Nossa inteligência é menosprezada, nossas opiniões são marginalizadas, somos diversas vezes colocadas em situações constrangedoras por comentários e toques desnecessários e, quase sempre, ofensivos. As nossas chances são limitadas em todos os âmbitos sociais.
Dados que comprovam essas informações são facilmente encontrados, principalmente os que mostram a desigualdade racial e de gênero. Destaco um trecho do artigo “O Brasil está menos desigual?”, do blog Elogie uma Irmã Negra, onde há uma pesquisa do IPEA sobre a desigualdade no mercado do trabalho:
“A quantidade de mulheres empregadas com carteira assinada hoje (36% em 2015) é quase a mesma dos homens em 1995 (34,1%). No recorte de raça, as desigualdades até que diminuíram, mas não muito: 42,4% da população branca trabalha com carteira assinada; para a população preta, a taxa é de 36,1%.”
Por isso é tão necessário que outras mulheres parem para ouvir quando dizemos que as nossas lutas estão em harmonia, mas ainda assim são diferentes. Nossas realidades mostram que enquanto sociedade, algumas vidas importam mais que as outras e nós batalhamos para que as nossas vidas sejam importantes o suficiente para que possamos trabalhar em mudar essa realidades.
Hoje choramos 1 ano do assassinato não resolvido da vereadora Marielle Franco , eleita com a quinta maior votação durante a eleição municipal no Rio de Janeiro em 2016.
Relembro que ela, mulher negra, foi a voz de muitas mulheres e jovens periféricos, que trabalhou duro para ouvir suas necessidades e vontade de mudança.
Seu trabalho pelos direitos humanos, denunciando os abusos de autoridades por policiais contra os moradores de comunidades carentes foi de muita importância. Sua crítica à intervenção federal no Rio de Janeiro e à Polícia Militar, fez com que muitas coisas chegassem ao conhecimento das autoridades responsáveis e da sociedade através da mídia.
Aqueles que aclamam a violência policial e menosprezam a origem de Marielle e todas as suas conquistas nas áreas acadêmica e profissional, além de seu trabalho no Legislativo municipal que envolviam saúde e segurança da mulher, dos negros, da população LGBTQ e dos moradores de favela tentam manchar seu nome — em vão. Os motivos que levam alguns a odiá-la, são os mesmos motivos que a levam a ser adorada por todos aqueles que choraram sua morte, pois sabemos que naquele 14 de março perdemos um importante pilar de nossa estrutura e que esse motivo foi decisivo para sua morte.
Hoje também por coincidência é o aniversário de 105 anos da escritora Maria Carolina de Jesus, mulher negra que ficou conhecida pelo seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, onde ela relata seu cotidiano como moradora da favela do Canindé e tenta sobreviver enquanto catadora de lixo na cidade de São Paulo.
Os relatos são feitos entre 1955 e 1960, mas ainda retrata muito das situações atuais da mulher negra periférica, que se desdobra em longas jornadas de trabalho, muitas vezes sem tempo para outras atividades como faculdade e até mesmo o ensino básico. Em sua maioria com filhos e recursos insuficientes, mas com muita crença e garra.
Se existe um fato a se cultuar sobre a mulher negra é este: a força que carregamos de nossas ancestrais e a garra para buscar a ascensão. Carolinas, Marielles, Dandaras, seja qual for o nome, nós mulheres negras trabalhamos e damos duro para sermos melhores que nós mesmas a cada dia.
No dia 14 de março morreu Marielle, mas nasceu Carolina e assim como elas, tantas outras. Seremos sempre as sementes que nossas mães escondiam em nossos cabelos para plantarmos algo novo em liberdade. Chegaremos onde sonharmos chegar.
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*Mariana de Moraes é gerente de relacionamento da Cative!, co-fundadora do coletivo RPretas e modelo. Entre em contato com a Mari por aqui.